A Relação Médico-Paciente

A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Relações Interpessoais

Estou iniciando um espaço para pensar e sentir, com você, o significado da relação médico-paciente decorrente de uma emergência, e da conseqüente internação hospitalar, por apresentar, pela gravidade, seus significados mais evidentes embora, nas devidas proporções , também possa ocorrer em outros contextos.

As implicações das relações interpessoais nesse contato podem ser passageiras, mas são sempre profundas, por haver interferências internas, das pessoas, e externas, das instituições, que afetam de um modo geral, a vida de quem adoece.

Minha intenção é que você pare e reflita, converse comigo, tenha uma consciência inédita do que essa relação pode provocar em ambos, no paciente e no médico.

Para criar um pouco de magia nessa reflexão, e aproximá-la de nossa própria vida, começo o tema com uma fábula, mesclando fantasia e realidade. Pode parecer inusitado, e de fato o é, mas quero provocar a sua imaginação, quero que você navegue por experiências cotidianas, quem sabe de você mesmo, ou de pessoas bem próximas a você.

…Júlio abre os olhos devagar, e olha o teto branco. Sente-se meio perdido, tem a sensação de não saber onde está. Fecha os olhos, como se fosse dormir novamente, e pensa, preciso me levantar, não quero me atrasar para a conferência de abertura do congresso. Devagar, querendo e não querendo, mexe o corpo e sente dor nas costas. Diz para si mesmo, preciso de um analgésico, minha coluna não se deu bem com a viagem prolongada de avião. É quando tenta mexer o braço, e não consegue, que se dá conta de tudo o que lhe acontecera. Sabe que está em uma UTI de algum hospital, e em segundos recorda-se da operação de urgência, do tumor, de tudo que parecia ter virado sua vida pelo avesso. Mas o primeiro obstáculo foi vencido, está vivo, já é um bom começo, após a tragédia.

Adormece, acorda e o tempo passa. Pensa, quero alguém perto de mim. Pergunta-se pela equipe médica, deveriam estar aqui, será que estiveram? Quero Rosa junto de mim. Não gosto de estar sozinho. Geme, está ansioso, espera que apareça alguém e alivie sua dor nas costas. Pensa na viagem, no congresso médico, recorda-se que está em Viena, faria uma conferência… Já não sabe mais se está acordado ou dormindo, parece que passa sua vida a limpo… como num filme, cenas do passado se atropelam umas as outras. Tem vontade de abrir os olhos e constatar que está sonhando. A dor nas costas é insuportável. Uma enfermeira aparece, olha os aparelhos, fala com Júlio, que parece adormecido, e que quando abre os olhos a vê saindo do quarto. Murmura para si mesmo, onde está a equipe médica! Estou sozinho, eu e a morte.

Lembra-se de quando chegou ao hospital. O carinho dos colegas em um país que não é o seu, eles fizeram de tudo para que eu fosse atendido com rapidez e eficiência. Pensa na aflição daquele dia, de ontem, parece ter essa certeza, olhei em um espelho no saguão do hospital, e vi meu olhar de tristeza, de desamparo, antevendo o que poderia me acontecer. Senti medo, estava sem saída, sem escolha, tragicamente carente, precisando de proteção.

Os dias passam, Júlio melhora aos poucos e, como doente, começa a conhecer o outro lado da relação médico-paciente, vê o que nunca vira antes. Olha a morte de frente. Acha insuficiente a presença da equipe médica no quarto.

Surpreende-se com o carinho incansável de Rosa e do filho, que haviam chegado do Brasil. Nunca imaginara o quanto eles o querem vivo, e agora percebe, nessa dedicação, a força desse amor familiar. Acha que não usufruiu totalmente a qualidade da sua vida em família, e se pergunta se haverá tempo de expressar a Rosa, e a seus filhos, a sua gratidão. Terá muito que aprender, se sair curado, ou melhor, vivo!

Júlio vai descobrindo a solidão de ser paciente. Solidão insuportável, que só desaparece com a presença da equipe médica. A brusca reviravolta na vida parece ser mais mortal que a própria ameaça de morrer, ou pior, a sensação de começar a morrer aos poucos, a cada dia.

Mas, um milagre acontece quando chega a equipe médica, tudo se transforma, as esperanças se renovam, surgem novas expectativas, e o principal, a certeza de que tudo vai dar certo. Até as dores parecem desaparecer e fica sempre o desejo de que aquele momento não termine, que os colegas não o deixem só com sua doença. A presença da equipe médica renova suas forças, motiva novas escolhas, repõe certezas onde havia dúvidas, medo, carências, que parecem matar mais que a doença. A equipe médica é como se fosse a própria vida que volta e vence o mal, aniquila a morte.

O grande fantasma é sentir-se frágil, perdido, ao perceber que sua vida mudou radicalmente. A maior dor é achar que perdeu para sempre a vida que tinha antes de adoecer…

A Gestão da Equipe de Saúde

Neste cenário é que vou aclimatar o significado da relação médico-paciente. Eu e você vamos refletir sobre a qualidade da equipe de saúde nesse atendimento.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que nem sempre uma equipe é realmente uma equipe, ou seja, se articula em um trabalho conjunto.

Muitas vezes, há alguns procedimentos que são definidos para todos, e cada qual os integra a sua maneira. Nestes casos, a equipe é um somatório de pessoas que possuem objetivos próprios. Às vezes, há equipes em que as pessoas pouco se articulam, e cada um vive a seu modo os objetivos comuns. Estas pessoas ainda não formam uma equipe de fato, pois os interesses continuam sendo individuais. Uma equipe é a multiplicação de pessoas, entre elas há uma articulação em torno da concretização conjunta de seus objetivos comuns. Quando falo de uma equipe, me refiro a um grupo, por exemplo, o grupo familiar, o grupo de amigos, etc.

A gestão de uma equipe deve ser dinâmica e sinérgica, desenvolvendo um perfil profissional centrado em competências para um desempenho grupal, primeiro entre seus membros e, a partir daí, do grupo para fora; atua em um conjunto multiplicador de atitudes e comportamentos complementares.

Em uma equipe médica há papéis diferenciados que aumentam o nível de conhecimento sobre o potencial interno e externo, em termos de recursos humanos, de tal forma que cada profissional transfere aos pacientes essa maneira de conviver.

A equipe médica conta com a equipe de enfermagem. Ambas encontram nelas próprias alguns recursos para enfrentarem os desgastes que vivem nesse atendimento, mas, muitas vezes, necessitam de ajuda externa para poderem desempenhar o papel de estar de corpo e alma no atendimento ao paciente, ou seja, podendo sustentar, com a sua subjetividade, a fragilidade psico-social decorrente da nova condição do paciente; podendo decifrar, compreender e acolher o desamparo, em decorrência da brusca ruptura do cotidiano, pela doença, pelo medo da morte, pelo desconhecido da nova situação, pela dor física e psíquica.

A Qualidade do Atendimento

As equipes devem ter sensibilidade para compreenderem que a fragilidade do paciente enfraquece e adoece sua família, e que também acolhê-la significa um esforço adicional que muitos não querem, não agüentam, ou não sabem como fazer. Dependendo das identificações que podem surgir entre o profissional, o paciente e sua família, tornam-se freqüentes as atitudes defensivas de incompreensão, ou de mal entendidos na comunicação, que mais traumatizam do que ajudam.

Em nome da eficiência, às vezes, médicos e enfermeiros se colocam em um distanciamento pouco eficaz, aparentam dificuldade para se colocarem por inteiro. Possuem excelente capacidade para procedimentos técnicos, mas nem sempre para atitudes profissionais humanizadas, como se o atendimento da equipe médica e da enfermagem não pudesse incluir ternura e acolhimento aos sentimentos que afloram na vivência do choque provocado pela doença.

A subjetividade do profissional deve estar presente e acolher com ternura a busca desesperada de equilíbrio por parte do paciente e de sua família, quando negam a doença, buscam curas alternativas ou, ao contrário, tentam ajudar com uma certa esperança, quando a doença é sentida como uma sentença de morte que anula qualquer expectativa.

Ao entrar no quarto do paciente, médicos e enfermeiros podem se envolver com intensas emoções, e perder a capacidade de acolhimento a partir do papel profissional; assumem atitudes como se fossem da família ou, ao contrário, nada os comove, se protegem em uma assepsia que gera insegurança no paciente, e raiva na família.

A relação médico-paciente é influenciada pela qualidade da equipe de saúde e o paciente é o grande beneficiado, pois encontra nela as “vitaminas” para o seu processo de cura.